Problemas estruturais graves em imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), como fissuras, rachaduras, infiltrações e caixas de esgoto que cedem, resultaram em uma explosão no número de ações judiciais contra a Caixa Econômica Federal. Em 2024, o banco desembolsou mais de R$ 92,4 milhões em indenizações apenas na faixa 1 do programa, que atende famílias com renda de até R$ 2.850 e conta com subsídios de até 95% do governo federal. Desde 2014, os gastos já somam R$ 310 milhões.
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) estima que existam atualmente 90 mil ações judiciais relacionadas ao programa. Apenas no ano passado, a Caixa foi alvo de 8.500 novos processos envolvendo essa faixa, conforme dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Indústria de indenizações ou construção predatória?
A crescente judicialização chamou a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que investiga possíveis práticas de "litigância predatória". O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que está em análise a possibilidade de existência de uma "indústria de indenizações por vícios nem sempre existentes na construção".
Advogados que atuam em prol dos beneficiários do programa refutam essa tese. O advogado Flávio Pimentel, com 4.500 ações ajuizadas, aponta para uma "indústria de construção predatória". Ele acusa as construtoras de não seguirem especificações mínimas e de se aproveitarem da vulnerabilidade das famílias da faixa 1. "Os erros são generalizados, de Norte a Sul do país", afirma.
Casos emblemáticos e laudos periciais
Um exemplo ilustrativo vem de Maranguape (CE), onde uma beneficiária identificou problemas graves no imóvel. Embora a construtora tenha realizado reparos em 2023, um laudo pericial indicou que os problemas persistiram devido a infiltrações nas fundações, agravando as fissuras. Segundo o documento, "o problema atingiu tanto a alvenaria quanto peças em concreto, além de fundações".
Medidas da Caixa e construtoras
A Caixa Econômica Federal afirma que tem buscado garantir que as construtoras realizem reparos nos imóveis com falhas. Quando necessário, as empresas são notificadas, e, se não solucionarem os problemas, são incluídas em cadastros restritivos e impedidas de operar com o Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nesse caso, outra empresa é contratada para realizar os reparos.
O banco também criou, em 2013, o canal "De Olho Na Qualidade", onde os beneficiários podem registrar reclamações. Apesar dessas iniciativas, a instituição enfrenta resistência nas ações judiciais, nas quais, segundo o vice-presidente jurídico da CBIC, Fernando Guedes, "99% das propostas de reparo feitas pelas construtoras são recusadas em favor de indenizações em dinheiro".
Impactos no setor e propostas de solução
Guedes defende que a resolução de problemas deveria passar primeiro por uma via administrativa antes de chegar ao Judiciário. Ele também destaca a preocupação com ações baseadas em laudos falsos ou casos em que os próprios moradores desconhecem o processo movido em seu nome.
Por outro lado, a CBIC admite que, em casos reais de vícios construtivos, a construtora e/ou a Caixa têm o dever legal de corrigir os problemas. "A construção é uma atividade manual, sujeita a falhas, mas existem normas que garantem a responsabilização", conclui Guedes.