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Casa de Oração do Povo da Rua realiza almoço de Natal para centenas em situação de rua em SP
Conduzida pelo padre Júlio Lancellotti e coordenada pela voluntária Ana Maria da Silva Alexandre, ação na região da Luz oferece refeição, roupas e acolhimento em meio ao aumento da população de rua, hoje estimada em 80 mil pessoas na capital paulista
26/12/2025 às 09:34por Redação Plox
26/12/2025 às 09:34
— por Redação Plox
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A tarde de 25 de dezembro foi especial para a população em situação de rua de São Paulo. Na Casa de Oração do Povo da Rua, na região da Luz, o tradicional almoço de Natal reuniu centenas de pessoas que buscam acolhimento, comida e um pouco de afeto em uma data que costuma escancarar solidão e ausências.
“Espírito de natal é acolher os que ninguém acolhe”, diz o padre.
Foto: Reprodução / Agência Brasil.
O padre Júlio Lancellotti, referência no trabalho com pessoas em situação de vulnerabilidade, chegou no início da tarde, circulando entre as mesas com familiaridade. O espaço cheio reforçava um sentimento ambíguo: se por um lado havia clima de festa, partilha e encontro, por outro, o grande número de participantes lembrava que cada vez mais pessoas vivem nas ruas da cidade.
Está sendo cada vez mais difícil a situação de polarização que a gente vive, a situação de desafio e de desigualdade. A situação é bem difícil porque o número da população de rua cada vez aumenta mais. Esse é o espírito do Natal, o sentido do Natal, acolher aqueles que ninguém acolhe, olhar para aqueles que ninguém olha.
Padre Júlio Lancellotti
Logo após sua chegada, o padre conduziu uma oração e teve início o almoço de Natal. As crianças foram servidas primeiro, depois as mulheres. Os homens, maioria, aguardavam em silêncio, organizados, como se estivessem em um grande almoço de família.
A casa que acolhe quem não tem para onde ir
Mesmo antes do início oficial da celebração, a Casa de Oração do Povo da Rua já estava cheia. Pessoas de várias regiões da cidade chegaram em busca de refeição, companhia e um pouco de cuidado em um dia simbólico. O espaço reúne diferentes estruturas de apoio à população de rua de São Paulo, estimada em cerca de 80 mil pessoas, segundo o levantamento mais recente do Observatório da População de Rua.
A coordenação da casa está a cargo de Ana Maria da Silva Alexandre, voluntária há 26 anos no local. A rotina de trabalho é intensa. Na cozinha, dez voluntários se revezam: lavam a louça do café da manhã, servido para cerca de cem pessoas, preparam o pernil do almoço, salada, farofa, arroz, além de frutas e panetones, oferecidos por volta do meio-dia para quem já chega com fome.
O ambiente também é preparado para além da comida: há um presépio montado pelos frequentadores e um espaço com roupas doadas, com peças masculinas, femininas e infantis, disponíveis para quem precisa. Para muitos, ali está a única referência de casa e de convivência em meio ao cotidiano nas ruas.
Ana Maria descreve a importância do espaço para quem não tem família com quem celebrar. Para ela, o Natal na Casa de Oração não é só dia de matar a fome, mas de sentar-se à mesa, reencontrar conhecidos, criar novas amizades e renovar esperança em meio à dureza da rua, lembrando que, assim como Jesus, muitos vivem hoje sem teto e seguem em busca de um recomeço.
O ano de 2025, no entanto, deixou marcas difíceis para os voluntários. Casos de reintegração de posse, pessoas desalojadas de ocupações voltando para a rua, relatos de descaso e a dispersão forçada da Cracolândia para as periferias compuseram um cenário de agravamento da vulnerabilidade.
Histórias de vício, perda e tentativa de recomeço
Entre os que aguardavam o almoço estava Ronaldo, que voltou às ruas há duas semanas, depois de uma internação. Após dez anos longe das drogas, teve recaída neste ano. Ele ajuda a montar kits de higiene, com chinelos, produtos pessoais, além de bolsas e maquiagem para mulheres, doadas por comerciantes da região central, e brinquedos para as crianças, que seriam distribuídos mais tarde.
A busca por um lugar para dormir é preocupação diária para Luna de Oliveira, mulher trans, e Emerson Ribeiro, que passam o primeiro Natal juntos. Nos últimos dias, tentaram vaga em quatro abrigos, mas não conseguiram acomodação conjunta. No caso de Luna, o preconceito por ser mulher trans agrava a dificuldade tanto de acessar serviços de acolhimento quanto de conseguir trabalho.
Casa de Oração do Povo da Rua, em São Paulo, conta com o apoio de voluntários para atender a população de rua.
Foto: Reprodução / Agência Brasil.
Emerson, servente de pedreiro, relata ter atravessado um período de consumo intenso de drogas, chegando ao crack. Diz estar há mais de um mês sem usar, com apoio da companheira, e tenta uma nova chance profissional em canteiros de obra, onde sabe preparar massa e assentar piso. O projeto do casal é claro: se organizar, sair da rua, se casar. Natural de Mogi das Cruzes, ele tem dormido com Luna em barracas nas imediações da Luz.
Luna, por sua vez, é de Itaquera, na zona leste. Aos 31 anos, já passou muitos deles na rua, depois que conflitos familiares a levaram a deixar a casa e migrar para o centro. Comunicativa, sonha em trabalhar com televisão e complementa a renda com materiais recicláveis. Ela frequenta a Casa de Oração desde 2017 e já conhecia o almoço de Natal; Emerson, não. Neste ano, ela o levou para conhecer o padre, a coordenação e o espaço, onde diz estar sendo muito bem tratada.
Outra história é a de Nilton Bitencourt, nascido em comunidade na zona norte, perto do Pico do Jaraguá. Ele foi parar na rua após a morte da mãe. Filho único, conta que perdeu o direito à casa em Itanhaém, onde viveu com ela por mais de uma década, depois de conflitos envolvendo a herança. De volta a São Paulo, passou a morar no centro e a usar drogas.
Atualmente, Nilton trabalha na rua 25 de Março, descarregando caminhões, e vive há quase dez anos em barracas na região. Percebeu o almoço deste ano mais cheio, com mais famílias presentes. Seus planos para o próximo período são modestos: conseguir arrumar uma ponte dental que está prestes a cair. Para isso, pretende trabalhar já no dia seguinte, torcendo para que o serviço não seja muito caro.
Natal, desigualdade e presença nas ruas
O almoço deste 25 de dezembro de 2025 se encerra, mas a rotina na Casa de Oração do Povo da Rua continua. Voluntários e frequentadores sabem que, no ano seguinte, a fila do Natal tende a ser novamente grande. A desigualdade, o preconceito, a falta de moradia e o avanço da miséria continuam empurrando pessoas para as calçadas da cidade.
Diante desse cenário, a mensagem de fim de ano que ecoa na Casa de Oração passa menos por otimismo abstrato e mais por atitude concreta diante da realidade de quem vive na rua: estar perto, acolher e partilhar o pouco que se tem.