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Saúde
Estigma do HPV afasta mulheres de consultas e vacina e agrava câncer de vulva e vagina no Brasil
Entre janeiro e setembro de 2025, SUS registra quase 600 mortes e mais de 18 mil atendimentos e internações por câncer de vulva e vagina; especialistas defendem vacinação e diagnóstico precoce para frear avanço da doença
28/12/2025 às 09:48por Redação Plox
28/12/2025 às 09:48
— por Redação Plox
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O estigma em torno do HPV (papilomavírus humano) – vírus transmitido principalmente por via sexual, mas também por contato pele a pele – ainda afasta muitas famílias da vacinação e pacientes dos consultórios médicos, alertam especialistas. A resistência preocupa porque o HPV é o principal causador dos cânceres de vulva e de vagina, que levaram a 597 mortes no SUS entre janeiro e setembro de 2025.
No mesmo período, segundo o Ministério da Saúde, foram registrados 16.559 atendimentos ambulatoriais e 2.161 internações relacionadas a esses tumores. Os números se referem a procedimentos, não a pessoas, e não há dados consolidados sobre diagnósticos. Mesmo assim, o peso do estigma ainda faz com que muitas mulheres deixem de buscar ajuda.
HPV ligado a milhares de casos de câncer no mundo
Para Caetano da Silva Cardial, oncologista da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações em Ginecologia e Obstetrícia), todo tumor ligado ao HPV carrega um preconceito significativo. Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que 4,5% de todos os cânceres no mundo, o equivalente a 630 mil novos casos por ano, são atribuíveis ao vírus.
Entre 2022 e setembro de 2025, foram registradas 1.964 mortes por câncer de vulva no Brasil. A região Sul concentra alguns dos maiores índices, com 400 óbitos, enquanto o Norte teve 75. São Paulo lidera entre os estados, com 521 mortes. Segundo Cardial, parte dessa discrepância pode refletir o fluxo de pacientes em busca de tratamento em regiões com maior estrutura.
No mesmo intervalo, o país contabilizou 593 mortes por câncer de vagina, sendo 147 delas apenas em 2025, até setembro. A maior parte dos óbitos se concentra no Sudeste.
Diferença entre vulva e vagina ainda causa confusão
Embora sejam frequentemente confundidos, os termos designam estruturas distintas. A vulva é a parte externa da genitália feminina, formada por pele e pelos. Já a vagina é uma mucosa interna que conecta a vulva ao colo do útero. Cardial observa que essa confusão é comum não apenas no Brasil, mas em vários países.
Câncer de vulva: tumor raro e ligado ao HPV e a doença autoimune
O câncer de vulva é considerado um tumor raro de pele e tem duas principais origens: o HPV, mais comum em mulheres entre 45 e 55 anos, e uma doença autoimune chamada líquen escleroso, que costuma afetar meninas em fase pré-adolescente e mulheres pós-menopausa, com pico após os 60 anos.
O líquen escleroso não tem causa única definida, mas especialistas apontam para um mecanismo autoimune, em que o sistema imunológico passa a atacar a própria pele. Fatores hormonais, como baixos níveis de estrogênio, predisposição genética e traumas repetidos na região também podem contribuir para o surgimento da doença.
A condição provoca coceira persistente e, sem tratamento, pode evoluir para câncer em até 60% dos casos, segundo o oncologista. Com acompanhamento adequado e uso de pomadas à base de corticoide, o risco cai de forma significativa.
Os sintomas costumam ser inespecíficos: coceira, feridas, úlceras, sangramento ou mudança na cor da pele da região. Como essas queixas se confundem com outras condições, muitas mulheres demoram a procurar atendimento. Os sinais também se assemelham aos do tumor, que em geral aparecem em estágios mais avançados do câncer.
Quando identificado precocemente, com tumores menores que 2 cm e sem linfonodos comprometidos, a chance de cura do câncer de vulva é alta com cirurgia. Nos estágios avançados, quando já há metástase, o tratamento passa a incluir radioterapia e quimioterapia, e as taxas de cura diminuem.
Câncer de vagina é ainda mais raro e afeta mulheres mais jovens
O câncer de vagina é ainda menos frequente, com cerca de 500 casos por ano no Brasil, e tem o HPV como causa em 90% dos episódios, de acordo com Cardial. Ocorre com maior frequência em mulheres entre 40 e 50 anos, enquanto as lesões precursoras podem surgir já a partir dos 30.
Por ser um órgão com rugas e pregas, a vagina pode “esconder” lesões. Muitas mulheres permanecem assintomáticas até que o tumor cresça. Quando isso ocorre, podem surgir nódulos internos, dor ou sangramento durante a relação sexual, além de sangramento fora do período menstrual.
Tumores menores que 2 cm e restritos à mucosa podem ser curados com cirurgia. Já os mais profundos ou maiores geralmente exigem radioterapia associada à quimioterapia.
Como o câncer de vagina costuma acometer mulheres mais jovens, o impacto na fertilidade e na vida sexual tende a ser maior que no câncer de vulva. A radioterapia pode reduzir a função ovariana, causar ressecamento, atrofia e até estenose vaginal (estreitamento ou encurtamento do canal), caso a paciente não mantenha atividade sexual ou não utilize moldes durante o tratamento.
Diagnóstico precoce é decisivo
Tanto no câncer de vulva quanto no de vagina, o diagnóstico precoce é fundamental. O médico reforça que mulheres, especialmente as que já passaram pela menopausa, devem procurar atendimento se tiverem coceira persistente por mais de duas semanas, feridas, sangramentos anormais ou alterações visíveis na vulva.
A infectologista Rosana Richtmann, do laboratório Delboni Salomão Zoppi e Lavoisier, destaca que o Brasil avançou no rastreamento dos dois cânceres ao incluir testes moleculares de HPV na rede pública.
Eles são muito mais sensíveis que o papanicolau [exame usado para identificar lesões no colo do útero, como as causadas pelo HPV]. O objetivo é detectar o vírus precocemente para impedir que lesões progridam para câncer.
Rosana Richtmann
Vacinação contra HPV é principal forma de prevenção
Richtmann afirma que a vacinação é a melhor forma de prevenir o câncer de vulva e de vagina. Segundo ela, quanto mais jovem a pessoa é vacinada, melhor a resposta imunológica e menor a chance de já ter tido contato com o vírus. A vacina quadrivalente, oferecida na rede pública, protege contra os tipos 6, 11, 16 e 18 do HPV. A versão nonavalente, disponível na rede privada, amplia essa cobertura.
Especialistas apontam que muitas famílias ainda evitam vacinar filhos e filhas por acreditarem, de forma equivocada, que a imunização poderia incentivar o início da vida sexual. Para a médica, o estigma também faz com que jovens, ao perceberem algo diferente na região íntima, sintam vergonha de comentar com os pais ou de buscar ajuda médica. A recomendação dos profissionais é encarar o HPV como um problema de saúde pública prevenível, e não como um tabu moral.